PERIGOS DO MAR

Ouriços, peixes venenosos e águas-vivas causam maior parte dos acidentes nas praias

Pesquisador explica porque acidentes com animais marinhos nas praias se multiplicam no verão e como evitá-los e tratá-los

Thiago dos Santos
Publicado em 02/01/2024, às 16h11

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Animais aquáticos perigosos nas águas do Brasil - Imagem: Vidal Haddad Junior
Animais aquáticos perigosos nas águas do Brasil - Imagem: Vidal Haddad Junior

Nos últimos quatro anos, nas praias do litoral paulista, foram registrados oficialmente seis acidentes com animais marinhos, cinco dos quais resultaram em internações – segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde. No entanto, acidentes com animais marinhos nas praias paulistas em particular, e nas brasileiras, em geral, podem ocorrer com mais frequência do que os dados oficiais levam a crer. Apesar de raramente levarem a óbitos, interações de banhistas com ouriços, peixes venenosos e águas-vivas podem provocar dor intensa e, se não tratados, levar a consequências graves.

É o que explica o professor de medicina Vidal Haddad Júnior. Livre docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Haddad estuda acidentes com animais marinhos há mais de 25 anos - o que o credenciou como uma das maiores autoridades do país no tema.

homem com peixeis na beira de rio
Vidal Haddad. "O animal não causa o acidente, ele sofre o acidente". Imagem: Acervo Pessoal

Nesta entrevista ao Portal Costa Norte, ele explica o que descobriu durante décadas ao pesquisar acidentes com animais marinhos nas praias de Ubatuba, quais são os animais que mais provocam acidentes, quais são as consequências e como os banhistas podem se prevenir ou, em caso de acidentes, como devem agir.

O senhor pesquisa acidentes com animais marinhos há quase três décadas; quais foram suas principais descobertas?

Durante meu doutorado, a gente descobriu que não havia estatísticas justamente sobre essa parte de animais marinhos, animais aquáticos também, porque tem muito bicho de água doce que também provoca envenenamento. Não havia nada no Brasil e no mundo sobre o que provoca os acidentes. Não é só o tratamento, é preciso saber o que provoca o acidente e de que forma. Isso, na verdade, era até mais importante naquele momento do que as medidas terapêuticas ou de prevenção. Concluímos que era necessário fazer alguma coisa para fornecer informação para as pessoas que, porventura, fossem acidentadas.

O que provoca os acidentes?

Ubatuba, por exemplo, chega a quase um milhão de habitantes durante a temporada. Multiplica a população por dez, é uma coisa absurda. E aí, a primeira coisa que a gente viu foi a seguinte: não é o bicho, é o número de pessoas. Se você põe um milhão de pessoas na água, o bicho que está lá em junho - quando há poucas pessoas - e não provoca nada, começa a causar acidentes. Claro que o animal marinho tem suas defesas, todo bicho tem, a água-viva, o ouriço-do-mar, o peixe venenoso, porque é assim lá dentro da água. Mas o animal não causa o acidente, ele sofre o acidente, porque o número de pessoas cresce demais.

Estamos falando de quantos acidentes?

Durante a pesquisa em Ubatuba, a gente descobriu que, de cada mil pessoas atendidas no pronto-socorro, uma era vítima de acidente por animal marinho. Parece pouco, mas não é. Na temporada, três, quatro mil pessoas são atendidas em um final de semana. Então eram três, quatro acidentes nos quais ninguém sabia o que fazer. Se você pegar só de gente pisando em bagre jogado na areia por pescadores à noite, só disso você vê dez, quinze acidentes só na região de Santos e São Vicente, todo final de semana. Eu estou falando de 300, 400 casos. Hoje, mais de 1.500 casos. Esse tipo de dado interessa muito.

Quais os animais marinhos que mais provocam acidentes nas praias? 

Cerca de 50% dos acidentes são causados por ouriços-do-mar. Não são venenosos, mas causam um problema desgraçado, porque você pisa nele, o espinho entra, acabou o final de semana. E, às vezes, são 50, 60 espinhos, normalmente na região plantar [planta do pé]. Um acidente com ouriço-do-mar é um estrago, acabou a temporada. Cerca de 25% dos acidentes são com peixes venenosos - bagres, arraias e o peixe-escorpião. Logicamente, isso acontecia mais com pescadores, porque peixe não fica na beira da água. Mas vem acontecendo um problema de as pessoas ficarem pescando, pescadores amadores, profissionais, e os bagres pequenininhos sem valor comercial e nem nutricional, eles jogam na areia. As pessoas vão à praia pela manhã caminhar, pisam nesses bagres e vão parar no pronto-socorro com o bagre no pé.

Os outros 25% dos acidentes são com águas-vivas e caravelas. Tem dois tipos de acidentes. Tem o perfil, vamos dizer, aleatório, em que uma água-viva está passando por aquele monte de água e acaba encostando em alguém e provocando envenenamento. Ou, mais raramente, você tem um monte de água viva num lugar. Aí você precisa, se tiver alguém realmente interessado em promover saúde, você precisa interditar a praia por um certo tempo, mas ninguém faz isso.

Qual é a consequência mais grave entre todos esses tipos de acidentes?

Você pode ter casos graves em grandes envenenamentos, tipo caravelas muito grandes, em uma criança, aí toca demais os tentáculos, você pode ter queda de pressão, pode ter falta de ar. No Brasil eu não vi, mas existem óbitos relatados por águas-vivas e caravelas, principalmente, na região do Indo-Pacífico.

Em caso de acidentes, o que fazer e quais são os tratamentos?

Há dois tipos de tratamento, nenhum deles é específico, porque não existe soro, como temos para veneno de cobra e de aranha. Aqui no Brasil não temos, na Austrália tem para água-viva e para alguns peixes. Então, o que a gente faz aqui é combater os sintomas, quer dizer, a dor. Todos os acidentes são extremamente dolorosos, tanto de peixe venenoso, como de cnidários, que são as águas-vivas e caravelas. O ouriço-do-mar dói quando pisa, porque não é envenenamento, é trauma. Então, ouriço-do-mar você tem que tirar os espinhos. Acontece que as pessoas tiram na beira da água, fazem umas besteiras sem parar, principalmente, surfistas. É preciso buscar cuidados médicos em um pronto-socorro, tirando isso direitinho, porque é doloroso.

Por que não temos um soro para envenenamento por águas-vivas, caravelas e peixes?

Porque não é um acidente, vamos dizer, comum nem fatal. Temos dois tipos de acidente por envenenamento animal no Brasil. O que causa mortalidade, e aí entram serpentes, jararacas, cascavéis, corais, algumas aranhas, como a armadeira, e escorpiões. E isso pode causar óbito. Os outros casos causam morbidade. Os acidentes com animais aquáticos provocam morbidade, ou seja, a pessoa geralmente fica doente. Teoricamente, há potencial de algumas águas-vivas e alguns peixes até de causarem óbito, mas eu nunca vi. Então a gente não tem o soro, seria pelo potencial de gravidade desses acidentes.

De forma geral, como os banhistas podem evitar acidentes com animais marinhos?

No caso do peixe venenoso, use sapatos, use calçados quando estiver andando na praia pela manhã. Com os outros peixes já é mais difícil porque eles não estão na beira do mar. A arraia, o peixe-escorpião, eles circulam no mar, eles não ficam parados nas águas. Mas esses acidentes acontecem mais com pescadores, quando os animais são capturados nas redes de pesca. Agora, quando há esse acidente que eu chamei de aleatório, quer dizer, está passando uma água-viva lá, encostou numa pessoa, esses são difíceis de prevenir.

E se acontecer o acidente, o que fazer?

Se a pessoa se acidentar com ouriço-do-mar, entram profundamente aqueles espinhos, aí tem que ir ao pronto-socorro. Se deixar [os espinhos], é complicado, porque pode formar uma infecção bacteriana secundária. O corpo reage contra aqueles espinhos se você não tirar, e depois tem que operar. Então o ideal é tirar logo.

No acidente com água-viva e com caravela, a vítima precisa fazer uma compressa com água do mar, gelada. Se usar água doce, você dispara células que ainda não dispararam veneno. Então tem que ser água do mar, por causa da osmose. O que muda, o que diminui a dor, é a temperatura. Não é a água, é o frio. Aí diminui bastante a dor. Banhos de vinagre na parte do corpo afetada inativa essas células também. No litoral de São Paulo, geralmente os acidentes são leves, no máximo moderados, então são bem controlados dessa forma. Agora, se a dor for muito forte e não estiver passando, é necessário ir ao hospital.

Com peixe é o contrário. O veneno de peixe é vasoconstritor, quer dizer, ele prende os vasos sanguíneos e aí leva a uma dor intensa, porque está faltando sangue naquele local. A falta de sangue também pode levar à necrose da pele.

A vítima deve usar água quente na região do corpo afetada, porque contrabalanceia a vasoconstrição e faz o vaso abrir e ainda tem um certo fator, vamos dizer, de inativação do veneno por causa da temperatura. Banhos de água quente ou imersão em água quente por 30 a 90 minutos até a dor melhorar. Mas nem sempre melhora, às vezes, você tem que usar um analgésico mais potente no hospital. Mas, de forma geral, quem se acidenta por bagre, peixe-escorpião ou arraia, vai parar no pronto-socorro mesmo, porque a dor é muito forte. Mas é uma boa medida já na hora ir colocando a área atingida em água quente.

Thiago dos Santos

Thiago dos Santos

Formado em Comunicação Social pela Universidade São Judas Tadeu e estudante de direito na Universidade de São Paulo (USP)

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