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Lendas do folclore brasileiro; conheça o lado sombrio e místico das histórias

Estupros, rapto de crianças, matança e traição; o enredo das lendas populares sem 'censura'

Amanda Oliver
Publicado em 22/08/2022, às 16h00 - Atualizado em 08/02/2023, às 10h11

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Boitatá - Nerida Nixie
Boitatá - Nerida Nixie

Lendas, mitos, crenças e mistério; a cultura do Brasil é cercada de histórias antigas, passadas de geração em geração, transformando o que poderia ser algo passageiro em uma crença eterna, zelada e cuidada, pois carrega em si, uma parte da identidade nacional e popular do país.

Muito se pergunta qual é a história do folclore? O termo foi criado por um arqueólogo inglês, William John Thom, entusiasta da cultura popular, que uniu as palavras “folk”, que em português significa povo, popular e “lore”, cultura, em 1846.

O folclore brasileiro é uma expressão da cultura popular que reflete as tradições e crenças dos diferentes grupos sociais e regionais do Brasil. Ele inclui lendas, histórias, músicas, danças, artesanato, festividades, culinária e outras formas de expressão popular. Alguns exemplos incluem o carnaval, a Festa Junina, o Bumba Meu Boi, o boi-bumbá, a maracatu e a capoeira. O folclore brasileiro é uma parte importante da identidade cultural do país e é preservado e transmitido de geração em geração.

Mas no Brasil nada é tão simples, muitos acreditam que nosso folclore começou na história recente, de um país com apenas 522 anos desde sua descoberta em 22 de abril pela expedição dos portugueses; mas não, antes dos europeus, povos indígenas habitavam o país, e deles herdamos muitas coisas, entre elas, as lendas.

Onde nasceu o folclore brasileiro? Como explicá-lo?

Com fortes traços indígenas e africanos, o folclore brasileiro nasceu e se mesclou à cultura europeia, principalmente à de Portugal. Não somente feito de histórias e lendas, brincadeiras, danças, festas e comidas típicas também incorporam a definição folclórica do país.

Quais são as lendas do folclore brasileiro?

Mula Sem Cabeça

Mula sem cabeça (Reprodução)

A mula sem cabeça é um animal mítico com corpo de burrinho/mula e cabeça de tocha de fogo. A primeira versão dessa história conta que mulas sem cabeça são mulheres que dormiram antes do casamento com seus amantes, sendo amaldiçoadas.

A outra versão, mais famosa, conta que as mulheres que mantiverem relações com um padre se tornarão o animal. Segundo a lenda, o encantamento aconteceria nas noites de quinta-feira, quando a mulher se transformaria na ‘mula sem cabeça’.

O encantamento desapareceria no terceiro cantar do galo, ou seja, pela manhã. Nesse momento, a mulher teria de volta sua normalidade corporal.

Para acabar com a maldição, os freios da mula deveriam ser arrancados, ou ainda a mula deveria ser furada com algum objeto pontiagudo a fim de causar-lhe um ferimento com sangue. O padre ‘amante’ também poderia desfazer o encantamento amaldiçoando-a sete vezes antes de celebrar as missas.

Iara

Lenda de Iara Sereia Iara - desenho (Reprodução)

A lenda de Iara, ou lenda da Mãe da Água, teve origem nos povos indígenas da Amazônia. Iara ou Yara, do indígena Iuara, significa “aquela que mora nas águas”. É uma criatura metade mulher, metade peixe que vive nas águas amazônicas. 

Com o estereótipo de sereia, Iara segue a descrição física de belíssimos cabelos escuros e olhos castanhos, com uma voz melodiosa que, ao cantar, hipnotiza os homens.  A história de Iara é triste. Antes de se tornar um ser místico, morava em terra com seus irmãos, como uma humana normal.

Em um surto de inveja, os irmãos tentam matá-la, e, para se defender, Iara acaba mantando todos os irmãos. Ao ser encontrada pelo pai, foi jogada em um rio furioso como punição, mas, graças à sua beleza e sofrimento, foi acolhida e transformada em sereia pelos peixes e seres marinhos.

O homem que consegue escapar do canto da sereia sem se afogar no rio fica em estado de ‘loucura’, podendo ser curado somente por um pajé.

Saci Pererê

Saci-Pererê (Reprodução)

Travesso e brincalhão, o Saci-pererê tem uma história além do que imaginamos. A lenda remonta ao final do século XVIII ou começo do século XIX, pelo povo tupi-guarani como ‘çaa cy perereg’.

As histórias admitem diferentes origens; alguns acreditam que Saci fugiu de uma situação análoga à escravidão cortando a própria perna, outra revela que ele perdeu a perna lutando capoeira.

Porém, uma coisa não se discute: o personagem negro, de chapéu vermelho e uma perna só é especialista em travessuras, incomodar cavalos, sumir com objetos de casas e assustar viajantes com um assovio misterioso.

Saci também é responsável por ser guardião das ervas e plantas medicinais. Devido a isso, confunde as pessoas que tentam pegá-las sem autorização devida.

Caipora

Caipora - Guardiã dos animais Caipora (Reprodução)

Caipora do Mato é o ser mítico guardião da fauna e flora brasileira. A origem deste ser é Tupi-guarani. Do tupi, a palavra (caapora), ou seja, “caipora” significa “habitante do mato”.

Este ser sente quando caçadores entram nas florestas com a intenção de abater animais, então, ele emite uivos e gritos assustadores para afastá-los.

A fisionomia de Caipora diverge entre uma indígena anã, com pele vermelha ou verde, cabelos vermelhos e orelhas pontiagudas. Outras versões apresentam Caipora como um homem peludo, montado em um javali.

Caçadores, até os dias de hoje, acreditam que Caipora fuma, então levam um fumo de corda para ela, sob o pretexto de poderem caçar por um dia, mas nunca abater uma fêmea grávida.

Acredita-se que Caipora é uma vertente da Lenda Curupira.

Curupira

Curupira ao lado de Saci-Pererê (Reprodução)

Curupira é caracterizado fisicamente como um anão forte, com os pés virados para trás e cabelos de cor vermelho intenso. Os pés deste ser servem como estratégia para enganar: caso alguém tente segui-lo, irá no sentido contrário.

Adorador de fumo e de ‘pinga’, o Curupira tem forte personalidade. Entre os traços, o ódio por caçadores, lenhadores e qualquer outro humano que danifique a fauna e flora local.

Ele atormenta os invasores, faz armadilhas e magias para que estes se percam na floresta. A lenda revela que para escapar de suas armadilhas, a pessoa deve fazer um novelo com cipó e esconder bem a ponta, pois ele fica entretido com o novelo e a pessoa consegue fugir.

Até os dias atuais, muitos caçadores e lenhadores acreditam na lenda e costumam oferecer pinga e fumo quando chegam à floresta.

Jesuítas e indígenas tinham medo de Curupira, devido às lendas descritas pelo padre jesuíta espanhol José de Anchieta (1534-1597). No século XVI, o ser era denominado como “demônio que acomete os índios”.

Curupira estava relacionado à casos de violência, abusos sexuais, rapto de crianças e horror psicológico.

Boto-cor-de-rosa

Boto cor-de-rosa é galanteador e engravida as jovens mais belas das festas (Reprodução)

De origem indígena, o Boto-cor-de-rosa é interligado às festas e comemorações locais. A lenda conta que o animal se transforma em um lindo homem galanteador, vestido totalmente de branco, que encanta a jovem mais bonita da festa e a leva para o fundo do rio, onde a engravida e abandona posteriormente, voltando ao estado corporal de boto.

A lenda do boto foi usada durante anos para justificar gravidezes fora do casamento.

Negrinho do pastoreio

Negrinho do Pastoreiro e Virgem Maria (Reprodução)

De origem africana e cristã, a lenda surgiu em meados do século XIX. A história retrata um jovem escravo que sofreu atrocidades na mão de um fazendeiro. Certo dia, a criança ficou encarregada de cuidar de alguns cavalos, sendo que um deles fugiu.

Com a fuga do animal, o jovem inocente foi castigado com chibatadas e posteriormente lançado em um formigueiro, deixado para morrer, sozinho.

O fazendeiro, ao acordar e ir procurar pelo corpo do jovem, encontrou-o bem e saudável, montado no cavalo perdido e, ao seu lado, a Santa Virgem Maria, padroeira do Negrinho do Pastoreio.

Crenças contam que o espírito do jovem, que hoje galopa livre com seu garanhão, pode ajudá-lo a encontrar coisas perdidas, bastando acender uma vela próxima à um formigueiro e pedir sua ajuda.

Cuca

Cuca, Curupira, Saci-Pererê e Boitatá (Reprodução)

Cabeça de jacaré, unhas imensas e voz aterrorizante. Essa é a descrição precisa da Cuca, uma bruxa que captura crianças desobedientes e dorme somente uma vez a cada sete anos. A história é contada pelos pais para convencer as crianças a dormir no horário correto.

Dorme neném que a Cuca vem pegar”... detalha uma antiga e clássica canção passada de geração em geração.

Boitatá

Boitatá (Nerida Nixie)

Misterioso e detalhista. A lenda do Boitatá descreve esse ser como uma serpente rodeada de fogo, que protege a mata e os animais, podendo ser fatal aos humanos que prejudicarem os seres vivos. O Boitatá mata pessoas que ocasionam incêndios em florestas.

Acredita-se que a pessoa que olhar para o Boitatá torna-se cega e louca. Com origem do Tupi-Guarani, Boitatá significa cobra (boi) de fogo (tata).

Há um trecho do livro do século XVI, escrito pelo Padre Jesuíta José de Anchieta, que utilizou informações com base nas crenças indígenas, detalhando a criatura.

"Há também outros (fantasmas), máxime nas praias, que vivem a maior parte do tempo junto do mar e dos rios, e são chamados “baetatá”, que quer dizer cousa de fogo, o que é o mesmo como se se dissesse o que é todo de fogo. Não se vê outra cousa senão um facho cintilante correndo para ali; acomete rapidamente os índios e mata-os, como os curupiras; o que seja isto, ainda não se sabe com certeza." (In: Cartas, Informações, Fragmentos Históricos, etc. do Padre José de Anchieta, Rio de Janeiro, 1933)

Cobra Grande

A lenda da cobra grande (Reprodução)

A cobra grande é uma lenda muito recorrente nas regiões norte e nordeste do país, mas um tanto desconhecida fora da localidade. Chamada também de "lenda da cobra grande da Amazônia", Cobra Honorato, Norato ou Boiuna, este ser tem como habitat as profundezas de rios e lagos; seu corpo possui uma proporção descomunal e seus olhos brilham aterrorizando aqueles que cruzarem seu caminho.

A história mais popular detalha que uma indígena engravidou da cobra Boiuna gerando duas crianças gêmeas que nasceram com aparência de cobras. O menino recebeu o nome de Honorato (ou Norato); e a menina, Maria Caninana.

As crianças foram lançadas no rio pela própria mãe. Honorato perdoou a mãe, e a visitava sempre que podia; já Maria guardou rancor, aterrorizando embarcações e a população local. Honorato, preocupado com a segurança da tribo, matou a própria irmã.

O jovem se tornava humano nas noites de lua cheia, mas para ser liberto, uma pessoa deveria ferir a cobra na cabeça, além de colocar leite em sua enorme boca. A questão é que ninguém tinha coragem, até que um soldado tomou a frente e libertou o jovem da maldição.

Outra versão da lenda conta que uma mulher má foi jogada no rio para morrer, mas lá se casou com um demônio Anhangá, e tiveram um filho que foi transformado em uma cobra gigante e furiosa, que vive até ‘hoje’ embaixo de pequenas cidades.

Vitória Régia

Vitória-régia (Reprodução)

A lenda conta a história da planta aquática vitória-régia, que é símbolo da fauna na Amazônia. De acordo com os relatos, uma indígena se apaixonou pela lua, ou seja, Jaci, divindade da Lua na mitologia tupi, ao se inclinar para beijar o reflexo da lua em um rio, se afogou.

Jaci namorava todas as mais belas índias da tribo, e todas elas foram transformadas em estrelas, porém, Naiá, a indígena apaixonada, faleceu afogada ao tentar beijar Jaci, e em uma bela homenagem, ao invés de transformá-la em estrela, transformou-a numa planta aquática, a vitória-régia, que é conhecida como a estrela das águas.

Estas foram apenas algumas das dezenas de lendas da cultura brasileira. Porém, o folclore não é só isso. O que faz parte do folclore brasileiro? Festas populares, danças tradicionais, crenças e superstições e até mesmo dialetos, gírias e jargões.

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