2019

Amor à primeira visita, e para sempre

Histórias de quem conheceu Bertioga, apaixonou-se, e aqui decidiu construir seu lar

Mayumi Kitamura
Publicado em 06/05/2019, às 13h19 - Atualizado em 26/08/2020, às 22h10

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Vista de Bertioga - JCN
Vista de Bertioga - JCN

Bertioga

Do alto do morro diviso recorte antigo.

Águas conhecidas, paisagem incansável,

retrato de vida, pedaço de mim,

começo, meio e fim.

Terra revisitada, perene, estável.

Do alto do morro reverencio tua constância,

sentinela e guardiã zelosa dos meus segredos e temores,

doce carcereira de minha vida e dos meus mortos.

Bertioga!

Miguel Bichir – advogado, professor e escritor

Imagem acervo site

O poema Bertioga  revela um pouco do  amor pela cidade, sua história e meio ambiente, pela ótica do caiçara Miguel Bichir, que cresceu junto com o município e acompanha de perto seu desenvolvimento. Nestas breves linhas, ele delineou a sensação de quando, aos sete anos, foi erguido pelas mãos de seu avô, no alto do morro da Prainha Branca, na vizinha Guarujá, e pôde avistar a orla da praia da Enseada; foi uma mescla de êxtase e estranhamento, impossível de explicar.

Imagem acervo site

Apesar de  a maioria da população atual ser integrada por migrantes, a sensação vivenciada pelo caiçara, há cerca de 60 anos, repete-se em muitos dos que chegam e aqui escolhem ficar.

A chegada à cidade ocorre pelos motivos mais diversos, mas, o amor pela cidade é o que faz permanecer; o sentimento de pertencimento colabora com o desenvolvimento de Bertioga e das comunidades que a compõem. Quem mora há muito tempo na cidade nota que, a cada ano, uma nova roupagem, costurada por mudanças, a reveste - reflexo do crescimento daquela que é considerada a de maior aumento populacional em todo o estado, no período de 2010 a 2015, segundo levantamento da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade).

Entre tantas pessoas - atualmente cerca de 60 mil habitantes -, muitas são as histórias de amor pelo município, cada uma delas com suas peculiaridades. Selecionamos algumas, uma pequena dos muitos habitantes que, a par de  seus  defeito,  tentam fazer dela um lugar melhor para se viver.

 Luisa Helene – Tranquilidade e natureza 

Imagem acervo site

Quem se interessa por teatro e cultura, em Bertioga, já deve ter ouvido falar da artista Luisa Helene e do ator global Daniel Ribeiro. Eles mantêm não apenas uma hospedaria, no bairro de Guaratuba, mas um espaço para projetos culturais. No É agora, José, o casal concretiza planos e deixa sua marca.

O desejo de sair da capital iniciou há oito anos. Na época, eles já frequentavam Bertioga, mas a identificação surgiu mesmo quando conheceram o bairro que se tornou seu lar. Luisa e Daniel vieram passar uns dias na cidade, durante o verão de 2011, e conheceram o local, que se encaixava em suas personalidades e suas buscas. Luísa lembra que se apaixonou pela estrutura do loteamento, com as casas meio escondidas na vegetação. “Aí entramos na praia e ficamos malucos – Guaratuba, há oito anos, não tinha ninguém, mesmo em janeiro. O encontro do mar com o rio, e aquele fundo de morro; ficamos completamente apaixonados”.

Apesar da vontade de sair de São Paulo, a oportunidade surgiu há cinco anos. A procura pelo imóvel perfeito teve muitas histórias, mas, no fim, eles encontraram seu lar, doce lar. O espaço perfeito para abrigar seus projetos, entre eles a Biblioteca Comunitária Ponto do Saber; uma arena para saraus e apresentações; e a vontade antiga dos dois: a hospedaria É Agora, José. Outra iniciativa que começou no local foi o Quintal do José, no qual Luisa Helene desenvolve seus trabalhos voltados à educação, sua área profissional.

O projeto Quintal do José é uma comunidade formada por famílias educadoras interessadas em pensar educação e praticá-la de maneira alternativa. Disse ela: “A gente propunha algumas atividades dentro das linguagens artísticas e sempre passando por essa questão do olhar para o meio ambiente, muito voltado para a autonomia e a criatividade, alguns valores e questões que achávamos fundamentais para o desenvolvimento humanos e pouco valorizadas pela escola”.

 Pertencimento

Os projetos desenvolvidos podem causar estranhamento, no entanto, Luisa Helene encara a implantação e o desejo de contribuir com a cidade como algo muito natural. “Na época que viemos para Bertioga, pensávamos muito também em sair de São Paulo, para doar um pouco do que tínhamos a oferecer em uma cidade que carecia ainda nesta área, que é a arte”. Ela opina que o município precisa trabalhar a questão do pertencimento, para que seu crescimento ocorra conforme os anseios de sua população – e que ela também a construa. Para ela, quanto mais pessoas procuram firmar moradia aqui, maior a tendência da construção de uma cidade mais completa e harmoniosa. Isso porque, como no seu caso, elas começam a contribuir com seu conhecimento e oferecer produtos e serviços ainda não existentes na região.

Para a artista, aqueles que vêm para Bertioga, na busca por um lugar melhor para viver, terão um olhar diferenciado e colaborarão na transformação da sociedade e do espaço para seu aprimoramento.

Vanuzia Teixeira de Souza – Família

Imagem acervo site

Uma vida dividida entre Águas Formosas, em Minas Gerais, Guarujá e, definitivamente, Bertioga. A jornalista mineira Vanuzia Teixeira de Souza veio ainda bebê, com sua família, para a cidade. Seu batismo foi realizado na Igreja Matriz, em 1977, aos dois anos. No entanto, a família enfrentou dificuldades e voltou para a cidade natal. Cinco anos depois, retornou para fixar residência em Guarujá, no distrito de Vicente de Carvalho.

Vanuzia lembra que, na infância, vinha quase todos os finais de semana para Bertioga, na casa de parentes. Assim sua família prosseguiu sua relação com Bertioga até 1992, quando houve uma oportunidade de emprego e decidiram se estabelecer aqui. Vanuzia teve primeiro, que terminar o semestre escolar e deixar o emprego que havia conquistado por meio do Círculo de Amigos do Menor Patrulheiro (Camp) de Guarujá.

Então, em julho, ela deixou os amigos e conhecidos para morar em uma nova casa, um novo município. O impacto e receios de uma vida nova a deixaram quando entrou na avenida 19 de Maio, e teve uma sensação que nunca mais a abandonou: “Foi amor à primeira vista”. Naquele momento, ela percebeu “a grandiosidade, a simplicidade e a beleza natural que a cidade tinha”. Na época, a cidade ainda pertencia a Santos, e a via de entrada ao município tinha muitos coqueiros, estava nos seus primórdios, e o acesso para a praia a partir dela era feito por uma ‘viela’, relata.

“Aos meus olhos era tudo muito diferente. E hoje eu me questiono sobre isso. Eu acho que, quando as pessoas de fora vêm para Bertioga, a impressão que elas têm quando entram, é uma das melhores. Claro que temos nossos problemas sociais, os núcleos habitacionais, só que, essa parte, esse aconchego que você tem quando entra na avenida 19 de Maio, é uma sensação que não dá para explicar”.

Orgulho de Bertioga

Quando chegou, ainda no fim de sua adolescência, ela disse ter começado a se descobrir como cidadã e pessoa, e começou a se envolver com Bertioga e suas necessidades. “Eu queria uma cidade melhor, uma cidade que as pessoas tivessem orgulho”, comenta.

O tempo passou e, quando começou a fazer parte do quadro de funcionários da prefeitura, envolveu-se com outras histórias e obteve novos aprendizados. Em um dia de 2013, pôde demonstrar o seu amor pela cidade em ações. Quando trabalhava na Casa dos Conselhos, a funcionária pública Cleide Silva a procurou com a ideia de promover uma ação pelo aniversário da cidade. Assim surgiu o grupo Apaixonados por Bertioga, que realizou ações diversas pela valorização do município.

Atualmente, Vanuzia conta que continua a participar da busca por uma cidade melhor e a propor projetos. “Bertioga, para mim, é uma mãe que me acolheu, que me deu oportunidade de aprender tudo o que sei. Tudo o que sou hoje eu devo a esse município. Tenho uma gratidão muito grande por Bertioga, e não admito que ninguém fale mal da minha cidade. Onde eu estou, e estiver, eu falo com muito orgulho que sou de Bertioga”.

Ilza e Odair Furquim – Boas recordações e voluntariado

Imagem acervo site

O simpático casal Ilza e Odair Furquim tem muitas boas histórias para contar dos anos que passaram como turistas, veranistas e, depois, moradores de Bertioga. As recordações são várias, e deixam um gostinho de nostalgia, de uma época que não volta mais. Entre tantas lembranças, as ações pelo município e seus moradores mostram o amor pela cidade; eles deixaram marcas nas áreas da saúde, esporte e cultura.

O casal começou a frequentar a cidade na década de 1980, como hóspedes em uma pousada, no Jardim São Lourenço, na qual passaram muitos bons momentos. Nestas idas e vindas da capital, Ilza e Odair presenciaram a construção do primeiro prédio na Riviera de São Lourenço, os primórdios da rodovia Mogi-Bertioga e viram muitos carros atolarem e ser resgatados das areias da praia da Enseada – única passagem, na época, para transitar entre os bairros localizados ao norte da região central.

Na pousada onde costumavam ficar, conta Ilza, já havia um jipe para ajudar na retirada dos carros, sobretudo com a alta da maré. Na condição de turistas, eles cogitaram comprar um imóvel em São Lourenço, mas acabaram decidindo pelo Centro, devido à proximidade dos equipamentos de saúde e comércio. Nesta época, a prefeitura, hospital e a delegacia, por exemplo, estavam instalados na praça Vicente Molinari, recorda o casal. Em 1986, dois anos após a compra do terreno, construíram a sua casa, inicialmente, para veraneio.

Durante este tempo, ao ver o gosto da filha caçula pela prática do bodyboard, Odair também se envolveu e começou a levar os surfistas da cidade para outras cidades, em busca de ondas. O empenho não parou aí, e ele se voluntariou para integrar a Associação de Surfe de Bertioga (Asub), na qual obteve patrocínios de empresas como Mormaii e Rip Curl,  para premiar os jovens atletas em campeonatos no próprio município. Um dos principais prêmios da época foi uma passagem aérea. “Em termos de premiação, eram os melhores campeonatos que tinham na Baixada Santista. Então a garotada vinha - e também porque eu fazia uma divulgação em que a colocação saía nos jornais, revistas. Podia não ter ganho, mas estava no ranking”.

Os dois lembram com carinho quando a casa ficava cheia de atletas, os cartazes pintados à mão, com canetinha, para ser afixados nas lojas, e os kits preparados pela família. A participação de Odair na Asub se encerrou alguns anos depois,  após mudar de emprego, o que o impossibilitava de prosseguir com a promoção dos campeonatos.

Quando decidiram morar em Bertioga, no ano de 2000, suas filhas já eram independentes. Uma delas deixou o país para morar no Canadá; a outra mudou para Piracicaba e a caçula estudava em Santos. Nessa época, Ilza decidiu entrar para a Pastoral da Criança, onde foi eleita coordenadora, em Bertioga, e permaneceu por mais de seis anos. Para desempenhar sua função, que acredita se assemelhar, atualmente, aos agentes de saúde, ela frequentou conselhos municipais relacionados ao tema. O intuito era reduzir a mortalidade materno-infantil.

As líderes faziam visitas para orientar as gestantes, falar sobre amamentação, e até mesmo ensinar a preparar a chamada multimistura, para as crianças subnutridas. “Naquela época, conseguimos reverter, não acabar de vez, mas conseguimos muita coisa”, analisa.

 Artes

Atualmente, o casal é mais conhecido por seu envolvimento com as artes. Nas noites de domingo, eles realizam o projeto Harmonia, que promove dança de salão, para todas as idades, no Quiosque 2 da praia da Enseada. A iniciativa, idealizada pela professora Dayse Camargo, completou seis anos em janeiro.

A música ao vivo, a dança e a animação contagiante atraem cada vez mais participantes, e costuma reunir entre 50 e 150 pessoas para aproveitar a noite. Odair Furquim explica o motivo de sua realização aos domingos: “A gente faz o baile para os moradores. Se eu estivesse preocupado em atrair turista, veranista, faria no sábado. É para o pessoal da cidade que não tinha lazer antes do Harmonia”.

Além do lazer, em si, Ilza conta que o Harmonia tem colaborado na autoestima e na melhora do ânimo de pessoas que, por exemplo, estão passando por tratamento contra o câncer ou sofrem de depressão. No espaço, também são iniciadas amizades e até relacionamentos amorosos – um dos casais do Harmonia já constituiu família. O projeto também reuniu os integrantes do grupo Alma de Maré, que promove espetáculos de ritmos e danças brasileiras.

Além do Harmonia, eles também participam, há muitos anos, do Sarau Arte Buriqui, idealizado por Marcelo Bokermann. O evento mensal promove um coletivo artístico, nas mais diferentes vertentes, seja música, pintura, fotografia, teatro, entre outros. A contribuição do artista plástico Odair Furquim é com a pintura coletiva. Para isso, ele desenha em quadros e orienta sobre as cores que devem ser usadas, e todos podem participar da pintura, posteriormente sorteada entre eles.

Apesar de tanto empenho pela cidade, ainda ser algo incomum de ser visto, Odair comenta: “É uma coisa natural, de procurar fazer alguma coisa boa para as pessoas. É uma preocupação com a população em si, para que eles tenham uma vida melhor”. E Ilza finaliza: “Quer amor maior do que esse?”

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