SUPERAÇÃO

‘Quero trazer o ouro para o Brasil,’ parasurfista de Guarujá é destaque mundial

Miguel Flávio deve representar Brasil em campeonato na Califórnia em novembro; conheça história do atleta de baixa visão

Rebeca Freitas
Publicado em 26/08/2023, às 12h00

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Miguel durante disputa em Cabedelo para vaga no mundial ISA - Arquivo pessoal / Miguel Flávio
Miguel durante disputa em Cabedelo para vaga no mundial ISA - Arquivo pessoal / Miguel Flávio

Miguel Flávio, atleta natural da Prainha Branca, em Guarujá, foi diagnosticado com toxoplasmose aos 8 meses. A doença infecciosa lhe gerou baixa visão e, hoje, aos 25 anos, ele enxerga 5% com o olho esquerdo e 10% com o direito. Isso não foi um empecilho para que ele se tornasse bicampeão brasileiro de parasurf, uma forma de surfe adaptada para pessoas com deficiências físicas. 

Atualmente, Miguel está convocado para formar a equipe brasileira no ISA - International Surfing Association - de Parasurf, que acontecerá em Huntington Beach, na Califórnia, de 5 a 11 de novembro. “Quero trazer o ouro para o Brasil”, afirma o competidor, que está com expectativas boas para a disputa. Sua preparação física inclui treinos no mar e práticas funcionais. Além de toda a disciplina, o jovem relata prazer no que faz. “Me divirto quando estou na água”. 

A relação dele com o surfe começou aos cinco anos. Quem lhe apresentou o esporte foi seu primo Deivid Silva, atleta de elite que disputa os maiores campeonatos do mundo. Porém, Miguel começou a treinar profissionalmente somente aos 22 anos, quando entrou para a Escola Radical Surfe Adaptado em 2020, instituição pública e inclusiva em Santos, criada pelo surfista Francisco Araña para Pessoas com Deficiência (PcD). 

A mãe de Miguel, Claudenice Almeida, tem muito orgulho do filho. “Para mim foi uma alegria e satisfação enorme ver ele se destacando no esporte. Porque a gente tinha uma preocupação do que ele ia seguir. Então quando soubemos dessa escola em Santos e foi uma oportunidade muito boa”, declara. 

A primeira infância de Miguel foi cercada de dúvidas por parte de pessoas que não entendiam sua condição. “A principal dificuldade dele foram pessoas que não compreendiam o que é a baixa visão e tinham preconceito. Os professores viam ele brincando e correndo e por isso não acreditavam que ele não enxergava na lousa”, desabafa Claudenice. 

Miguel encara tudo como um desafio a ser superado e não deixa sua visibilidade lhe impor barreiras. “Como cresci na Prainha Branca, sempre fui muito livre. Minha deficiência foi um incentivo a mais para eu ir além dos meus limites e mostrar para mim mesmo que posso chegar aonde quero”, relata o jovem, que deseja ver o surfe adaptado como modalidade paraolímpica. 

Claudenice questionou se poderia continuar criando ele à beira-mar por conta do acesso: a Prainha Branca está localizada na divisa entre Guarujá e Bertioga e o acesso é feito por meio de uma trilha de aproximadamente 30 minutos. Não é possível chegar de carro até o território, somente via trilha, ou, pelo mar. 

A permanência no local foi primordial na formação de Miguel. A cultura do surfe é muito presente na região e morando ali, era praticamente inevitável que ele não criasse gosto pelo esporte. “Uma vez surfando ele perdeu o leash [corda utilizada para prender a prancha ao surfista] e eu fiquei desesperada, mas é uma preocupação de mãe. O Miguel tem uma sintonia com o mar que eu que enxergo totalmente não tenho”, enaltece a genitora. 

dois homens brancos seguram prêmio
Classificação de Miguel em Cabedelo lhe garantiu vaga para disputa internacional na Califórnia (Foto: Arquivo Pessoal / Miguel Flávio)

Tratamentos

A infância de Miguel foi permeada de tratamentos com diversos especialistas. Dos quatro aos 20 anos, frequentou o Lar das Moças Cegas, em Santos. O tratamento incluiu a exibição de cores para incentivar sua visão, além de terapias contra o nistagmo, condição que causa movimentos involuntários e repetitivos dos olhos.

No caso de Miguel, o nistagmo foi controlado. Por outro lado, ele nunca quis usar bengala como forma de apoio. “Quando ele tinha 15 anos, ele poderia ter a opção de começar a utilizar bengalas para mobilidade, mas ele falava que não queria. Agora um cachorro ele queria”, brinca a mãe. Porém, ela explica que cães-guias são muito disputados e que são priorizados para quem tem cegueira total. 

Atualmente, existem mais de seis milhões de pessoas com grandes dificuldades para enxergar ou cegas no Brasil, demanda alta para os cerca de 200 cães aptos no país, segundo pesquisa do IBGE de 2021. O processo para adotar esses animais é demorado e demanda um valor alto de investimento, visto que existem apenas cinco instituições especializadas no treinamento e adaptação do cão-guia e seu tutor.

A mãe do jovem campeão afirma que ele se adaptou e seguiu sua jornada, não só devido ao lugar em que nasceu, mas também pela criação com liberdade que ela deu a ele. “Vi muitas mães no Lar das Moças Cegas que sufocavam os filhos, mas se eu tivesse prendido, ele não faria metade do que faz hoje”. Ela ainda completa: “O futuro das crianças com deficiência é um leque muito aberto atualmente. Vamos levar eles para o mar e para a mata”, incentiva.

Dificuldade de patrocínio 

Em 2021, Miguel disputou seu primeiro Mundial representando o Brasil. Ele não tinha patrocínio e seus pais correram atrás de apoio por conta própria. Em uma ascensão meteórica na carreira, em 2022, ele passou por uma seletiva da federação brasileira e ficou em primeiro lugar. Hoje a CBSurf arca com o custo de viagens de algumas competições, como a da Califórnia que se aproxima. 

O parasurfista recebe uma bolsa atleta do Guarujá. São sete parcelas ao ano de R$ 470, valor utilizado como auxílio para cobrir as despesas dos campeonatos de surf adaptado, que em sua maioria ocorrem fora do Brasil. Miguel acredita que se a modalidade passar a integrar as paraolímpiadas, o esporte ganhará mais visibilidade, atraindo patrocinadores. 

Relação com o treinador

Dois homens seguram prancha de surf
Miguel ao lado do treinador Caio Cerqueira: "já é considerado da família” (Foto: Arquivo Pessoal / Miguel Flávio)

Caio Cerqueira é treinador de Miguel e o acompanha em todos os campeonatos. Nas palavras do parasurfista, já se tornou quase um irmão. “Ele não é só um treinador, já é considerado da família”, confessa. 

Seu técnico confirma: “É uma parceria muito boa. Vejo o Miguel com um grande potencial para ser campeão mundial por muito tempo. Se o surf adaptado entrar como modalidade nas paraolimpíadas, com certeza ele vai se classificar”. 

Rebeca Freitas

Rebeca Freitas

Formada pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp)

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