IMPRENSA NA BERLINDA

Cobertura da morte de Marília Mendonça pela imprensa é duramente criticada por jornalista

Repórter internacional critica torrente de morbidez e falta de ética jornalística que eclodiram no noticiário antes e logo após confirmação da morte da cantora em acidente aéreo

Da redação
Publicado em 06/11/2021, às 13h07 - Atualizado às 13h36

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Artista Marília Mendonça, morta em acidente aéreo com mais quatro pessoas nesta sexta-feira (5). CAPA - Cobertura da morte de Marília Mendonça pela imprensa é duramente criticada por jornalista - Imagem: Reprodução / Redes Sociais / Marília Mendonça
Artista Marília Mendonça, morta em acidente aéreo com mais quatro pessoas nesta sexta-feira (5). CAPA - Cobertura da morte de Marília Mendonça pela imprensa é duramente criticada por jornalista - Imagem: Reprodução / Redes Sociais / Marília Mendonça

Em uma análise que convida à reflexão, a correspondente internacional da Folha, Anna Virginia Balloussier, criticou a cobertura de parte da imprensa brasileira sobre a morte da cantora e compositora Marília Mendonça. Aos 26 anos, a artista e mais quatro pessoas morreram em um acidente aéreo em Minas Gerais, na tarde de ontem (5).

No texto intitulado “Marília Mendonça não merecia tolerar tanto sensacionalismo”, publicado na noite do mesmo dia, a jornalista compara a cobertura da imprensa que se delineara até ali à cobertura de outro acidente aéreo que suspendeu o cotidiano dos brasileiros: a queda do avião que levava os Mamonas Assassinas, nos anos 1990, quando, critica Balloussier, “tombaram também alguns pilares éticos do jornalismo”.

Ela relembrou a repulsa manifestada por Valéria Zoppello, namorada do vocalista Dinho, que acusou veículos de grande circulação na época (hoje extintos) de serem desumanos e antiéticos por publicarem fotos dos corpos mutilados dos músicos.

“O NP [Notícias Populares] ainda divulgaria reportagens como ‘Dinho morreu no banheiro do avião’ e ‘fã de Mamonas acha um braço na Cantareira’ [local onde o avião caiu]”, relembra a jornalista, que pondera.

“Nenhuma das publicações existe mais. Persiste, contudo, o debate sobre quão disposta a mídia está a envergar limites éticos que, também num acidente de avião, acrescenta a essa discussão a urgência das redes sociais.”

Em seguida, a jornalista aponta o que entende por erros não só da imprensa, mas a assessoria da cantora que, pouco após a confirmação do acidente, afirmou equivocadamente que todos os passageiros e tripulantes da aeronave estavam vivos. A informação foi contrariada pouco depois pelo Corpo de Bombeiros e por imagens que pululavam na internet.

Depois, a jornalista questiona criticamente a cobertura do acidente pela imprensa e traça novos paralelos entre a cobertura atual e o sensacionalismo mórbido na cobertura da morte dos Mamonas.

Sobre as primeiras horas de cobertura da morte de Marília Mendonça e mais quatro pessoas, ela pondera e questiona. “Era um assunto de comoção nacional. Logo, de evidente interesse jornalístico. [Mas] como o tratar sem carregar nas tintas sensacionalistas?”, reflete, para, logo depois, enumerar velhos vícios da mídia

“O resgate dos corpos foi exibido ao vivo pela Globo. Mais imagens se espraiaram por outros canais e pelas redes, já que havia gente ao redor filmando com celular o trabalho dos bombeiros”.  

A jornalista também relembra a enxurrada de especulações que surgiram durante a hora em que os familiares das cinco vítimas ainda não sabiam se seus parentes estavam ou não vivos.

“Até a roupa quadriculada que Marília Mendonça usava foi usada para especular se ela havia ou não morrido", diz ela, criticando, em seguida, a torrente de morbidez que surgiu instantaneamente após a confirmação das mortes.

“As imagens de um corpo sendo coberto com alumínio, com a mesma peça preta e branca, foram veiculadas em ‘looping’. O Google Trends, ferramenta que permite medir os termos mais procurados no momento, registrou um ‘crescimento repentino’ das pesquisas ‘fotos de Marília Mendonça morta’ e ‘Marília Mendonça corpo’, aponta.

A jornalista conclui sugerindo que, apesar das ferramentas digitais, inexistentes na época do acidente dos Mamonas, o “vale-tudo por audiência”, segue em voga com fortes colorações antiéticas.

 “A afobação dos tempos digitais corrói as divisas entre a informação válida e o caça-cliques insalubre. A morte precoce de Marília Mendonça, uma das maiores artistas da música contemporânea brasileira, escancara como parte do jornalismo aprimorou seu gosto por sensacionalismo de 1996 para cá. Marília Mendonça não merece isso”.

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