Meio ambiente

Movimento Salve o Rio Itapanhaú sugere tombamento para proteção do patrimônio

Projeto de 2015 prevê captação no afluente rio Sertãozinho para transferir até 2.500 litros de água por segundo para o Sistema Alto Tietê

Eleni Nogueira
Publicado em 19/06/2020, às 07h32 - Atualizado em 23/08/2020, às 23h37

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Manifestação realizada em 2018 - Diego Bachiéga
Manifestação realizada em 2018 - Diego Bachiéga

O tombamento da vazão do rio Itapanhaú é alternativa vista como viável, pelo Movimento Salve o Rio Itapanhaú, frente ao projeto do governo do estado, de reaproveitamento das águas, lançado em 2015. Na quarta-feira, 17, a proposta foi apresentada em um debate online, veiculado nas redes sociais do grupo, com mediação da jornalista  Cristiane Prizibisczki.

O encontro foi o terceiro da web séries sobre o rio, que já teve os seguintes temas abordados: A Flora da Serra do Mar e os Impactos da Transposição do Rio Itapanhaú, com Luccas Migueiral, mestre em Botânica; e Avifauna: Biodiversidade e os Impactos da Transposição, com Bruno Lima, biólogo e ornitólogo. Elas podem ser vistas na página do Facebook do grupo

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Elaborado em 2015, o projeto da Sabesp prevê uma nova captação de água para transferir até 2.500 litros por segundo do rio Itapanhaú para o Sistema Alto Tietê. O empreendimento está em fase de licenciamentos e, em 22 de maio passado, teve a anuência do Ibama para o desmatamento de 9,411 hectares de Mata Atlântica, na cabeceira do rio Sertãozinho, afluente do Itapanhaú e  onde está prevista a captação.  

Cadu de Castro, um dos fundadores do Movimento Salve o Rio Itapanhaú, considera a obra "uma tragédia". Ele destacou que o tombamento é um reconhecimento do patrimônio natural e ambiental do rio e um recurso para evitá-la. "É uma proposta inovadora, mas está completamente dentro daquilo que é possível considerando o rio, sua história, a cultura, as comunidades que vivem dele, e a necessidade ética de se preservar o meio ambiente".  

Integrante do debate, Amauri Pollachi, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê - CBH-AT, citou que os planos do governo do estado para captação de água do rio Itapanhaú e, também, do Itatinga, são de 1968, com previsão de se captar 5m³/s, ou seja, três a mais do que o projeto atual.  Ele ainda revelou que os comitês, tanto do Alto Tiête, quanto da Baixada, foram chamados para se manifestar quanto ao projeto de 2015 e, em deliberação emitida em janeiro de 2006, o CBH-AT apresentou um conjunto de recomendações à obra, mas nenhuma ligada à captação. 

Ele ainda lembrou que o panorama hídrico atual de São Paulo é bem diferente de 2013, período considerado de crise hídrica (entre 2013 e 2015), quando se viu urgência no lançamento do projeto de reaproveitamento das águas do rio Itapanhaú, com transferência para o Sistema Alto Tietê. 

Para se ter uma ideia, segundo ele, em 2013 a disponibilidade hídrica da Sabesp era de 78m³/s e atualmente é de 107 m³/s. A produção de água também caiu, de 70m³/s, para 63m³/s. Um detalhe interessante comentado por Pollachi é que em 2013 a região tinha cerca de 1 milhão de pessoas a menos. Ele observou: "Houve uma redução importante no consumo percapita [de água] da população metropolitana". 

A observação vai ao encontro do que defende o Movimento Salve o Rio Itapanhaú, de que a Sabesp deve buscar alternativas de produção de água, a economia é uma delas. Fabrício Gandini, do Instituto Maramar, disse que a proposta de tombamento é, também, "contra a cultura da abundância".

Em sua participação, Celso Garagnani, vice-presidente do Comitê da Bacia da Baixada Santista  - CBH-BS, defendeu a viabilidade do projeto. "Dentro de uma série de limitações, incluindo os aspectos ambientais é viável o aproveitamento das águas do rio".  

Movimento contra

O Movimento Salve o Rio Itapanhaú denuncia falhas no processo de licenciamento e afirma que a obra é altamente prejudicial para todo o ecossistema do qual o rio é integrante, como a Mata Atlântica, a mata paludosa, a mata alta de restinga e manguezais. 

A previsão de uma futura elevação do nível do mar, que pode resultar em aumento da intrusão da cunha salina nos sistemas fluviais é uma das preocupações. Mas, o grupo vai além e, por meio de estudos, aponta uma série de outros problemas ambientais que podem vir a ser ocasionados pela obra e atingir diretamente as florestas, a fauna, a flora e, também, os atributos cênicos da paisagem presentes na região de inserção do empreendimento ou sob sua influência, como a Pedra Furada, o Véu da Noiva, o Poço da Anta e a Cachoeira do Elefante, todos na Serra do Mar.

O estudo resultou em um documento de 46 páginas, enviado ao Ibama, onde pedia-se a não anuência do órgão para obra, o que não houve, já que o desmatamento da área solicitada para o empreendimento, na cabeceira do Sertãozinho, foi aprovada em 22 de maio passado, pela unidade técnica de Caraguatatuba.  

Desde o seu lançamento, o projeto tem recebido forte resistência de ambientalistas, da comunidade de Bertioga, do Ministério Público e, também, da atual administração do município. Em 2017, a obra chegou a ser suspensa por medida liminar, depois cassada pelo Tribunal de Justiça (TJ-SP). Desde então, o projeto segue sendo discutido na Justiça, que ainda não julgou a ação civil pública impetrada pelo Ministério Público.

No entanto, em janeiro deste ano, a Cetesb concedeu  uma licença para a Sabesp referente à primeira fase do cronograma de obras (1° fase - Canteiro de obras). De acordo com o publicado no Diário Oficial do Estado, a validade é de seis anos, a partir da data de sua emissão. 

Posicionamento da prefeitura

O projeto também encontra oposição na prefeitura de Bertioga. A administração pública afirmou à reportagem que é contra a obra e à retirada de água do rio Sertãzinho, um dos principais afluentes do rio Itapanhaú, pois pode "gerar sérios impactos em toda a sua extensão, até o estuário".  Por meio da Secretaria de Meio Ambiente, considera:  "entendemos que outras medidas poderiam ter sido tomadas e que estudos mais elaborados pudessem ser realizados em toda a extensão do Rio Itapanhaú e seus afluentes". A prefeitura faz parte do processo judicial contrário a execução da obra. 

Para esta reportagem foi pedido informações sobre o processo do MP, junto ao Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema) de Santos, assim como pocisionamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no dia 1º deste mês, mas até o momento não houve respostas. 

Sabesp

Em maio, quando da elaboração de reportagem sobre os rios de Bertioga, para a revista de aniversário da cidade, a Sabesp informou que o projeto para a bacia do rio Itapanhaú prevê a captação para o Sistema Alto Tietê, “visando aumentar a segurança hídrica na região”.

A estatal informou ainda que o valor total da obra é de R$ 91,7 milhões e que, "conforme exposto na licença ambiental, ainda não há autorização para as obras, que serão iniciadas após a emissão de licenças específicas. O prazo de execução previsto é de 12 meses, após a emissão dessas licenças". Também foi destacado que são cumpridas as determinações previstas na legislação e as obrigações constantes das licenças ambientais.

Rio Itapanhaú

Maior rio do litoral paulista, o Itapanhaú nasce no município de Biritiba Mirim, na Serra do Mar, e percorre 40km até desaguar no canal de Bertioga, que tem ligação com o Oceano Atlântico.  Ele é formado por cinco afluentes: os rios Sertãozinho e Guacá, no alto da serra e, mais abaixo, Itatinga e Jaguareguava.

Ao longo de seu percurso, ainda recebe água de oito contribuintes.  Os maiores são rio Banana e córrego Guaxinduva, e os menores: rio João Pereira, rio da Praia (rio de drenagem), ribeirão Carambiú, ribeirão das Furnas, córrego Pelaes ou Fazenda e córrego Canhambura.  Toda essa carga de água forma uma bacia com uma drenagem de 261,5km². Em Bertioga, o rio Itapanhaú tem uma vazão média de 20 mil litros por segundo.

A área de influência do rio passa por oito áreas de preservação permanente, dentre elas o Parque Estadual da Serra do Mar (PESM), o Parque Estadual Restinga de Bertioga (Perb), o Parque Municipal Rio da Praia e RPPNs. 

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