SETEMBRO AMARELO

Saúde mental: tratamento com especialista pode fazer diferença

Após duas tentativas de suicídio, jovem conta importância do atendimento com psiquiatra; saiba qual é momento certo para oferecer ajuda a alguém

Rebeca Freitas
Publicado em 01/09/2023, às 16h50

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Arquivo pessoal - Psiquiatra Alexandre Valverde defende que passamos por uma época de maior sensibilidade à saúde mental
Arquivo pessoal - Psiquiatra Alexandre Valverde defende que passamos por uma época de maior sensibilidade à saúde mental

O Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio é comemorado no próximo dia 10, mas a campanha do Setembro Amarelo ocorre durante todo mês. A data foi criada pela Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio e endossada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com o objetivo de chamar a atenção da sociedade para a importância de se falar sobre o assunto.

A campanha foi inspirada na história de Mike Emme, que cometeu suicídio, aos 17 anos, em setembro de 1994, nos Estados Unidos. Ele tinha um carro amarelo e, no dia do seu velório, pais e amigos distribuíram cartões com fitas amarelas e frases motivacionais para pessoas que pudessem estar enfrentando transtornos emocionais.

As fitas amarelas tornaram-se o símbolo da campanha, que foi adotada em 2015 no Brasil pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Conheça uma história inspiradora sobre a diferença que a ajuda profissional pode fazer durante a luta contra problemas emocionais: 

Rafaella Souza de 22 anos é assessora de imprensa e mãe de primeira viagem de uma bebê de um ano. Quando mais jovem, relações familiares desgastantes foram o combustível para que ela começasse a praticar automutilação. “Quando eu estava passando por um estresse muito grande, só conseguia parar quando via sangue”.  Para ela, a prática servia como um desvio de tensão, além de ser uma forma de anular suas emoções. “Eu não achava meus sentimentos válidos, então eu me beliscava para alterar o foco da dor. Eu tentava mudar a dor emocional para a física”, relata. 

O médico psiquiatra Alexandre Valverde explica que os mecanismos de autorregulação emocional são normais, mas utilizar a dor física para fazer este ajuste é uma ferramenta imprudente. Há muitas maneiras mais saudáveis. “A pessoa pode regular suas emoções fazendo exercícios físicos, vendo aquele filme de sempre que lhe causa conforto, ouvindo uma música”, destaca. 

As práticas de automutilação de Rafaella evoluíram e sua primeira tentativa de suicídio ocorreu aos 14 anos. Sozinha em casa, ela foi socorrida graças à visita de um amigo e da mãe dele que a levaram para o hospital. À época, Rafaella justificou o episódio para a família e médicos como uma acidente. 

Quando ela tinha 17 anos, no terceiro ano do ensino médio, um primo muito querido faleceu. Na mesma época, ela havia terminado um namoro e as relações familiares em casa estavam ainda mais complicadas. Tudo na sua mente ficou embaralhado. Foi neste contexto que sua primeira crise de ansiedade foi manifestada.

“Eu estava na escola e não conseguia parar de chorar. Sentia dificuldades para respirar e tremia. Ligaram para minha mãe me buscar e de lá fui para o psiquiatra que não quis introduzir medicamentos 'de primeira' pois eu era muito novinha, então comecei tratamento com florais e ele me encaminhou para a psicóloga também”, conta a garota que recebeu o diagnóstico de depressão e ansiedade naquele momento. 

Valverde explica que alegar que pessoas mais novas não sofrem é uma forma de etarismo.

Só porque uma pessoa é mais nova, não significa que o sofrimento dela pode ser minimizado".  

O profissional completa dizendo que a comunidade médica precisa estar alerta também para sinais de neurodivergência quando estiverem fazendo diagnósticos. “Muitas vezes, a depressão é confundida com melt e shut down, que são crises de estresse em pessoas neurodivergentes”, salienta. 

Rafaella conta que a frequência de suas crises aumentaram e, além de ansiedade e depressão, ela foi  diagnosticada também com crises de raiva, bipolaridade e princípios de borderline, passando a fazer tratamento medicamentoso.

“Nessa época eu perdi minha vaga no estágio porque eu faltava muito por conta das crises. Após voltar de uma licença de 15 dias, fui demitida. Além disso, terminei o ensino médio estudando de casa e fazendo as provas na secretaria. Eu não conseguia ir para a sala de aula, tudo era um gatilho”.

Como o primo que faleceu havia nascido na mesma data que ela, Rafaella parou de comemorar seus aniversários. Seus pais muitas vezes minimizaram a dor da filha, tratando seu sofrimento psicológico como se fosse algo de menor importância. “Eles diziam que era besteira, frescura, que o meu choro era para chamar a atenção”. Esta fase ruim desencadeou o segundo episódio suicida da jornalista de formação. 

Naquela época, pequenas coisas já eram gatilhos para a jovem. “Eu estava tomando remédios fortes. Sempre pensava que queria morrer, mas nunca tinha coragem de fazer algo. Um dia, meus pais chegaram no quarto e eu estava desacordada”, relata. 

Rafaela narra que tentava omitir o que estava passando para as pessoas à sua volta por vergonha. “Eu não gostava de expor com medo do julgamento dos outros. Só pessoas muito próximas a mim souberam”. A assessora completa dizendo que o tratamento com um profissional foi primordial para que ela pudesse seguir com sua vida.

Com a cabeça que eu tinha na época, se dependesse de mim, eu não teria procurado ajuda, mas se eu não tivesse feito tratamento, provavelmente eu não estaria mais aqui”, analisa.

Valverde reflete que todos estão sujeitos a enfrentar sofrimento e, por isso, ir ao psiquiatra não deveria ser motivo de vergonha.

Ninguém que quebra a perna tem vergonha de ir ao ortopedista, então por que com assuntos da mente deveria ser diferente?”

Rafaella deixa um incentivo para a busca da ajuda médica “Todos nós temos dias difíceis, por isso é necessário as pessoas se conhecerem para saber o nível de sofrimento que elas estão passando. Quando eu estava passando por crises, falava para meus amigos não contarem para ninguém. Hoje se isso acontecesse com uma pessoa próxima a mim, eu seria a primeira a falar, principalmente se a pessoa estiver precisando de ajuda profissional. Eu sofria calada porque me sentia anulada, mas trocar uma ideia é muito importante”, estimula a jovem. 

mulher com bebê fantasiada de Moana
Rafaella afirma que ser mãe trouxe um novo significado para sua vida e sua filha lhe dá muita motivação - Arquivo pessoal 

Neste Setembro Amarelo, Rafaella encoraja as pessoas a serem boas ouvintes e estarem alertas em relação àqueles que estão à sua volta. “As pessoas deveriam oferecer esse ombro amigo para conversar e transmitir a mensagem de que o momento difícil vai passar, principalmente se você procurar ajuda. Quem está em sofrimento acha que aquilo não vai acabar, mas uma hora passa. Todo mundo enfrenta uma guerra dentro de si. O cansaço do dia a dia também causa muito estresse, então eu também reforço que momentos de lazer são importantes”, coloca a jornalista, que se sente mais estável após passar por tratamentos. 

Quando procurar ou oferecer ajuda 

Para Alexandre Valverde, o momento ideal para procurar ajuda profissional é quando alterações no comportamento persistirem durante um período maior do que 15 dias. “Se houver alterações para cima ou para baixo no humor, na fome, no sono e no apetite sexual, é importante procurar ajuda. A intensidade dos sintomas também deve ser observada. Manifestações como ideação suicida e percepção de vultos podem acontecer de maneira súbita. Nestes casos, a ajuda profissional pode e deve ser buscada antes de 15 dias”, explica. 

Valverde acrescenta que problemas psiquiátricos são complexos e podem ser de origem genética combinada a estressores diversos, como fatores sociais e econômicos. “Quando você observar que alguém à sua volta não está bem, é importante não reduzir ou estigmatizar a pessoa. O mais indicado é oferecer apoio clínico e não moral em momentos de crise”. O médico afirma ainda que o tratamento medicamentoso é importante, mas exercício físico, alimentação e sono também são complementos eficazes. 

O profissional com formação pela  Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) reforça que a ideação suicida é grave e muitas vezes o próprio sistema de saúde falha em acolher essas pessoas. “Frequentemente a pessoa que tentou suicidio é conduzida para o pronto-socorro e aí a equipe médica consegue reverter a overdose de remédios e manda a pessoa de volta para casa, sem a encaminhar para um acolhimento psiquiátrico”, relata.

Para ele, a sociedade atual está mais sensível para temas relacionados à saúde mental, mas ainda há um longo caminho a trilhar. “Estamos passando por um momento histórico em que a saúde mental ficou mais em pauta. Esta é uma época em que temos liberdade para sermos mais sensíveis. Temos que continuar neste caminho, oferecendo solidariedade e acolhimento para quem está passando por um momento de dor”, defende o psiquiatra.

Rebeca Freitas

Rebeca Freitas

Formada pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp)

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