RISCO

Acidentes com cerol: conheça traumas de quem foi vítima

Bombeiro dá dicas de prevenção para motociclistas; saiba qual é a multa para quem usa e para quem comercializa linhas cortantes

Rebeca Freitas
Publicado em 23/08/2023, às 14h03

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Jovem fraturou a coluna após acidente envolvendo linha cortante - Arquivo Pessoal/Lorrana Fernanda
Jovem fraturou a coluna após acidente envolvendo linha cortante - Arquivo Pessoal/Lorrana Fernanda

Somente neste ano, o Corpo de Bombeiros já atendeu 100 ocorrências relacionadas a linhas cortantes em todo o litoral, segundo Rodrigo Pereira, porta-voz do batalhão de Guarujá. O uso deste material é perigoso e proibido por lei, mas segue fazendo vítimas e quem sobreviveu a essa tragédia afirma que os traumas são para sempre.  

Um ex-motociclista atingido por cerol há 24 anos carrega sequelas até hoje de seu acidente. “Foi Deus”, afirma Ney Wagner Dias da Silva, um escriturário de 56 anos que por pouco não teve um corte profundo no pescoço por conta da linha chilena.

homem branco, meia idade, de camiseta preta
"Não há nenhuma punição para quem fabrica, vende ou usa cerol", diz Ney Wagner (Foto: Rebeca Freitas)

O Chefe de Divisão de Atendimento ao Contribuinte estava na rodovia dos Imigrantes, na altura da entrada de São Vicente, quando sentiu algo semelhante a uma teia de aranha envolver o seu pescoço. Sua sorte foi estar em baixa velocidade, a cerca de 40 km/h, pois se preparava para passar por um cruzamento.

Ele puxou o fio cortante com seus dedos. “Ela [a linha] cortou os ossos dos meus dedos como se fossem de margarina”, lembra Ney cujo indicador nunca mais voltou a dobrar. A linha chilena apenas encostou em seu pescoço, mas foi suficiente para quase atingir sua artéria carótida, principal responsável por levar sangue ao cérebro.

dedo com cicatriz
Mais de 20 anos depois de seu acidente, Ney ainda carrega marcas do trauma (Foto: Rebeca Freitas)

“Falo que tenho dois nascimentos: a data do meu aniversário e o dia do acidente, que foi 1º de julho de 1999”, expõe. Sem esperanças, Ney reclama da impunidade em torno do tema das linhas mortais: “Fico preocupado porque quem usa, quem vende e quem fabrica tem a certeza da impunidade. É triste”. Ele ainda recomenda: “Tinha que ter uma punição bem rígida para quem vende porque você está comercializando uma arma.”

Atualmente, ele dá preferência para o transporte de ônibus. “Hoje não ando mais de moto; tenho muito medo por causa da linha de pipa, mas se andasse seria com antena e para-brisa para proteção”, termina o escriturário.

Lorrana Fernanda

jovem deitada em cama de hospital
Garota foi hospitalizada em dezembro de 2022, após paraglider em que voava ser atingido por linha com cerol (Foto: Arquivo pessoal/ Lorrana Fernanda)

Em 2022, uma turista que passeava de paraglider em Bertioga foi atingida por um fio envolvido com cerol e ficou oito meses sem andar. O instrutor que a acompanhava não resistiu. “Acredito que a própria pessoa que estava utilizando cerol naquela data não tenha consciência do estrago que causou”, analisa Lorrana, que fraturou a coluna no acidente.

Vinicius Prado 

rosto com curativo
“Foi agoniante”, revela motociclista que escapou por pouco de degola da linha chilena em Guarujá (Foto: Arquivo pessoal / Vinicius Prado)

No início deste mês de agosto, Vinicius Prado, um trabalhador portuário de 27 anos, transitava de moto em Guarujá quando sentiu seu rosto ser cortado por uma linha de pipa. Ele ia em baixa velocidade, com capacete e a viseira parcialmente levantada por causa do calor, até que foi surpreendido pela linha cortante em seu rosto. “Eu estava indo sentido centro. Passei a lombada e estava ganhando velocidade de novo. Quando eu estava chegando perto do cruzamento da Tambaú com a Praça 14 Bis, senti um negocinho fino que pegou no meu rosto e já começou a queimar meu nariz. Era a linha chilena”.

O jovem relata que conseguiu frear a moto para não cair. “Brequei com força, quase caí ainda. Nisso, quando eu abri os olhos eu já vi o sangue jorrando pelo nariz. Aí, já começou a juntar aquela multidão”, relata o portuário.

Ele afirma que durante o acidente sentiu medo de perder a visão ou ainda morrer. “Pensei no meu filho de dois anos crescer sem pai. Quando senti que a linha pegou perto do meu olho, eu só fechei os olhos. Eu falei, 'nossa, acabou com a minha vista. Já era, não vou enxergar mais', mas no fim, graças a Deus, não foi nada tão grave. Tô vivo aí pra contar essa história. A minha sorte é que eu estava devagar”.

Vinicius conta que já caiu de moto antes, mas o acidente com a linha foi o pior que sofreu. "A gente vê vários acidentes com linha chilena acontecendo e a maioria do pessoal não escapa com vida", termina o rapaz que recebeu pontos no nariz.

Prevenção

Rodrigo Pereira, porta-voz do Corpo de Bombeiros do batalhão de Guarujá, explica que um apetrecho pode fazer a diferença na preservação de vidas. As antenas corta-pipas são equipamentos baratos e eficazes na proteção dos motociclistas, pois evitam que a linha chegue até o pescoço e o rosto.

“Estes acidentes geralmente ocorrem perto de grandes avenidas e atingem motociclistas, mas podem ser evitados com o uso deste apetrecho que lembra uma anteninha”, indica o tenente.

Tipos de linha e punição

Desde 1998, o uso e a venda de cerol são proibidos no estado. A última atualização da lei foi em 2019, modificada para abranger outras linhas cortantes, coibindo também a importação de linhas como a chilena e a indonésia. A multa para quem usa estes materiais é de R$ 1.713. Já para estabelecimentos flagrados comercializando os elementos, a penalidade é de R$ 171.300 mil.

Todas as linhas cortantes são perigosas e podem causar a morte. A com cerol é mais tradicional e utiliza vidro moído na composição. Já a linha chilena tem óxido de alumínio e pó de quartzo, enquanto a indonésia é feita com carbeto de silício e cola instantânea. Todas trazem ameaças para quem usa e para terceiros, como pássaros, pedestres, ciclistas, motociclistas e aeronaves. A chilena e a indonésia trazem ainda risco de choque caso entrem em contato com a rede elétrica.

Rebeca Freitas

Rebeca Freitas

Formada pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp)

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